quarta-feira, 24 de outubro de 2012
Sabores
Suas pretensões eram claras: entrou no banho. O piso gelava sob os pés. Tirou sua blusa mais bonita para isso, lembrou-se de tudo: das brincadeiras no gira-gira, do primeiro beijo, das folhas secas, de dinheiros achados, namoradinhas, amores, de todas as bandas em que tocou e que viu tocar... Do velho piano herdado da avó... Enfim, um período longo. Mais longo do que recomendam os puritanos. Esqueceu-se de todo o resto. As antigas paixões, amizades, os antigos sonhos, todos eram como brasas, quase cinzas. Ainda poderiam queimar, se revirados. Assim foram, e em conjunto com o chuveiro no inverno, ardiam seu corpo. Ardiam no sentido da excitação e da destruição. Passou a mão pelo púbis negro e não se agüentava. Sua temperatura corporal foi elevada de tal modo, que a própria pele começava a derreter. As unhas e cabelos não estavam mais preso ao seu corpo. Dolorosamente, toda a matéria humana passava do estado sólido para o líquido, até escorrer toda pelo ralo, junto com a água, o sabão e a sujeira. Toda uma vida, toda uma felicidade e um sucesso milimetricamente planejados acabavam ali... Afogou-se no esgoto!
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