terça-feira, 18 de dezembro de 2012

O amor:

Assim como um lagarto, rápido, o amor pode passar. Sibilando entre os carros e o asfalto o lagarto sob o sol cintilante. Viu o lagarto duas vezes: escondido. Sabiamente, deixou-o escondido, e se foi. Deixou-o escondido e se foi. Cada um para o seu lado, nunca mais trocariam um olhar. Foram apenas momentos fragmentados que uniram os dois, assim como é a vida. Momentos fragmentados. A memória é muito maior do que o momento. Só ela é para sempre... O lagarto tem meses de fragmento, o momento, dois dias. Por isso, cuidado. O amor é perecível e não aceitamos troca. Do “oi” até “que a morte nos separe” não há dias, nem meses, nem anos. Há milhares de mensagens, centenas de encontros e de beijos, transas, dezenas de promessas. Há brigas e o prazo de validade pode vencer e nem a morte vai ter tempo de separar ninguém, por que é a última da fila de separações e dificilmente chega a vez dela, paciente. Então há lamúrias nos ombros amigos, embriaguez e não é o tempo, mas os momentos, que cuidarão de tudo até que tudo comece outra vez e uma vez acabe de outra maneira, quando a vez dela chegar e tornar o amor o mais bonito.

domingo, 25 de novembro de 2012

P o e m i n h a

Pego-a pela mão, me passa o pé sem dó, sem remorso. Fazemos mais, brincamos abraços, esqueço-me da quarta-feira de cinzas (que ainda me lembro). Arrependimentos. Me pega de jeito e nem vejo. Faz sol lá sim. E quase completo a escala.Sem mim.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Pássaro dos meses

O pássaro na sala é como a minha vida, que roda. Todos olham, ninguém se importa. Importam-se, mas esquecem. E não faz tanta diferença.
Silêncio, maio e olhares trocados. O amor anda à marcha lenta, pra ir assim diferente de tudo.

ENTER-CHRONOS.

Indiferença dissimulada pelos cabelos amarelos e lindos. Emaranhados que escondem alguns mistérios que ainda preciso descobrir. O gosto do beijo, o toque da pele. Os dedos, aposto que procuram mais a nuca e o cabelo do que os ombros ou as costas. Sem sinestesia!

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Edifício

As paixões antigas: hipócritas
Voltam com apenas uma música.
Hipócritas que um acorde as acorda,
um cheiro as desperta, enquanto a vida segue.
Enquanto qualquer afeto as coloca no túmulo.

Teimam em voltar como fantasmas,
enquanto outro lábio é o sal grosso.
Voltam e querem nosso sangue,
enquanto o raio de luz são outros braços.

São como a procura de um ente querido.
Um ente querido que nunca mais fora visto.
Não se sabe se morto, seqüestrado, fugido.
Não é possível realizar o enterro.

Assim são as paixões antigas...
Não há corpo pra velar.
Não há vela de sétimo dia.
Nem há nada.

Só o tempo... que nos constrói e desconstrói.
Não o tempo ceifador de memórias, mas o tempo engenheiro civil.
O tempo encanador, pintor e batedor de massa.
O que vai e vem com novas paixões antigas.

Prédio

Olhar voltado para o prédio. Imponente. Pular ou não pular? Pular ou não pular? Até agora não se sabe, mas já estávamos lá dentro. Sem blusa, cotovelos ralados. Com blusa, só cotovelo. Grama alta e entulho estavam por toda a parte. Uma velha escada à espera. Treze andares acima. No primeiro andar, à luz de celular, precariamente se iluminava paredes cinzentas, chão cimentado, o que deveria ser o fosso do elevador. A escada permitia a subida sem passar por dentro dos andares, apenas no entorno. Segundo andar: cinza, cimento, fosso, vazio. Terceiro andar: cinza, cimento, fosso, vazio. Quarto andar: cimento cinza, fosso, vazio. Quinto andar: cinza, cimento, fosso vazio. Sexto andar: fosso cinza, cimento vazio. Sétimo andar: por que continuar subindo? Oitavio andar: cimento fosso vazio cinza. Nono andar: cimento subindo por quê? Décimo andar: já estamos aqui cimento cinza vazio. Décimo primeiro andar: fosso cinza. Décimo segundo andar: merda merda merda merda de pombos, pombos, muito barulho barulho. Volta correndo, sobe de novo. Cuidado aqui. É só uma tábua, não vai cair. Buraquinho da janela: a cidade toda iluminada, de madrugada. Cuidado com a laje, já pensou cair? Eu preferiria que fosse eu, pra não explicar o cadáver e o que fazíamos ali. Para de besteira. Escadinha de ferro à espera. Eu vou primeiro. Depois que um subir o outro sobe. Cuidado pra não cair. A cidade toda aos nossos pés. Ninguém pode ver. Todos passam abaixo, mas ninguém pode ver. Não podem ver porque não olham para cima. Só com a mesma perspectiva. Por que subir até lá? Não há nada. NADA! Pode-se descobrir que não há nada. Uma subida por lugares iguais, em busca de algo que não se sabe, por satisfação, assim como é a vida. A única descoberta: nunca se saberá se o prazer está na luta ou na conquista dos objetivos.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Amores

Escuta aqui, querida, não sou de ferro
E você: papel, rabisquei, desenhei
Achei que havia um livro, mas era só folha
Projetei um romance e o espaço acabou
Viramos conto de final aberto e rápido
Você era branca e pretejei só de pensar
No que eu havia feito...

E agora, sou obrigado a conviver
Com a história que escrevi
Sem saber calcular espaço e tamanho
Que o amor precisa ser guardado
Volto pra ler e a folha está velha
E você ainda está branca, como foi nosso caso um dia
E já somos cinzas agora, cada qual no seu tom
Cada qual sem o outro e só memória
Que distorce e apaga tudo o que estava
E o que não é.


Sabores

Suas pretensões eram claras: entrou no banho. O piso gelava sob os pés. Tirou sua blusa mais bonita para isso, lembrou-se de tudo: das brincadeiras no gira-gira, do primeiro beijo, das folhas secas, de dinheiros achados, namoradinhas, amores, de todas as bandas em que tocou e que viu tocar... Do velho piano herdado da avó... Enfim, um período longo. Mais longo do que recomendam os puritanos. Esqueceu-se de todo o resto. As antigas paixões, amizades, os antigos sonhos, todos eram como brasas, quase cinzas. Ainda poderiam queimar, se revirados. Assim foram, e em conjunto com o chuveiro no inverno, ardiam seu corpo. Ardiam no sentido da excitação e da destruição. Passou a mão pelo púbis negro e não se agüentava. Sua temperatura corporal foi elevada de tal modo, que a própria pele começava a derreter. As unhas e cabelos não estavam mais preso ao seu corpo. Dolorosamente, toda a matéria humana passava do estado sólido para o líquido, até escorrer toda pelo ralo, junto com a água, o sabão e a sujeira. Toda uma vida, toda uma felicidade e um sucesso milimetricamente planejados acabavam ali... Afogou-se no esgoto!